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Meditação sobre a Paixão de Jesus Cristo

A IMPORTÂNCIA DA MEDITAÇÃO

Um pio solitário rogava ao Senhor que lhe ensinasse o que deveria fazer para amá-lo perfeitamente. O Senhor revelou-lhe que, para chegar a seu perfeito amor, não havia exercício mais próprio que meditar frequentemente na sua Paixão. Queixava-se S. Teresa amargamente de alguns livros, que lhe haviam ensinado a deixar de meditar na Paixão de Jesus Cristo, porque isto poderia servir de impedimento à contemplação da divindade.

Ensina S. Boaventura que quem quiser crescer sempre de virtude em virtude, de graça em graça, medita sempre Jesus na sua Paixão. E ajunta que não há exercício mais útil para fazer santa uma alma do que considerar assiduamente os sofrimentos de Jesus Cristo.

O grande servo de Deus, Frei Bernardo de Corleone, capuchinho, não sabendo ler, queriam seus confrades ensinar-lhe. Ele, porém, foi primeiro aconselhar-se com seu crucifixo e Jesus respondeu-lhe da cruz: “Que livro! Que ler! eu sou o teu livro, no qual poderás sempre ler o amor que eu te consagro!” Oh! que grande assunto de meditação para toda a vida e para toda a eternidade: um Deus morto por meu amor!

Visitando uma vez S. Tomás d’Aquino a S. Boaventura, perguntou-lhe de que livro se havia servido para escrever tão belas coisas que havia publicado. S. Boaventura mostrou-lhe a imagem de Jesus crucificado, toda enegrecida pelos muitos beijos que lhe imprimira, dizendo-lhe:


“Eis o meu livro, donde tiro tudo o que escreve; ele ensinou-me o pouco que eu sei”.

Todos os santos aprenderam a arte de amar a Deus no estudo do crucifixo. S. Francisco fez-se aquele grande serafim pelo doce estudo do crucifixo. Chorava tanto ao meditar os sofrimentos de Jesus Cristo, que perdeu quase totalmente a vista.


Do suor de sangue e agonia de Jesus no horto

Contemplai como o nosso amorosíssimo Salvador, chegando ao jardim de Getsêmani, quis dar começo à sua dolorosa paixão, permitindo que os sentimentos de temor, de tédio e de tristeza viessem afligi-lo com todas as suas consequência. Começou a ter pavor e angustiar-se e entristecer-se (Mt 26,37; Mc 14,33).

E agora como é que está tão cheio de temor de sua morte, que chega a rogar a seu Pai que dela o livre: Meu Pai, se for possível, afastai de mim este cálice? (Mt 26,39). S. Beda, o Venerável, responde: Pede se afaste o cálice para mostrar que é verdadeiramente homem (In Mc 14

Apareceu-lhe então um anjo do céu que o confortou (Lc 22,43). Veio o conforto, mas este mais aumenta do que lhe alivia a dor, diz S. Beda. Sim, porque o anjo o confortou para padecer mais por amor dos homens e para glória de seu Pai

“E seu suor tornou-se em gotas de sangue que corria até a terra” (Lc 22,44). No dizer do Evangelista, este suor sanguíneo foi tão copioso que primeiro molhou todas as vestes do Redentor e depois correu em abundância sobre a terra.


Do amor de Jesus em sofrer tantos desprezos em sua paixão

“Nós o vimos desprezado e como o último dos homens” (Is 53,2). Assevera S. Anselmo que Jesus Cristo quis sofrer tantos e tão grandes desprezos que não podia ser mais humilhado do que o foi na sua paixão (In Fl 2). Ó Senhor do mundo, sois o maior de todos os reis e quisestes ser desprezado mais que todos os homens para ensinar-me a amar os desprezos. Já, pois, que sacrificastes a vossa honra por meu amor, quero sofrer por vosso amor todas as afrontas que me forem feitas.


E houve também uma espécie de afrontas que não sofresse na sua paixão o Redentor? Foi afligido por seus próprios discípulos. Um deles o atraiçoa e o vende por trinta dinheiros; um outro o renega mais vezes, protestando publicamente não o conhecer, atestando com isso envergonhar-se de o haver anteriormente conhecido. Os outros discípulos, vendo-o preso e ligado, fogem e o abandonam (Mc 14,50). Ó meu Jesus abandonado, quem tomará a vossa defesa se, no começo de vossa prisão, que vos são mais caros vos abandonam e fogem? E afinal, ó meu Deus, essa afronta não terminou com a vossa Paixão. Quantas almas, depois de se haverem dedicado ao vosso seguimento e serem favorecidas por vós com muitas graças e sinais especiais de amor, arrastadas por alguma paixão de vil interesse ou de loucos prazeres, vos abandonaram com ingratidão? Quem se encontrar ao número desses ingratos, diga gemendo: Ah! meu caro Jesus, perdoai-me que não quero mais abandonar-vos; prefiro perder mil vezes a vida a perder a vossa graça, ó meu Deus, meu amor, meu tudo.

Contempla, ó homem, como esses cães arrastam sua vítima, diz S. Boaventura, e como ele os segue sem resistência como um mansíssimo cordeiro. Um o agarra, outro o liga; um o empurra e o outro o fere (Med. vit. Chr. c. 75). Preso, é nosso doce Salvador conduzido primeiramente à casa de Anás, depois à de Caifás, onde Jesus, sendo interrogado por esse malvado a respeito de seus discípulos e de sua doutrina, responde que não havia falado em segredo mas publicamente e que os mesmos que ali estavam presentes sabiam perfeitamente o que havia ensinado (Jo 18,20). A tal resposta um daqueles ministros, tratando-o de temerário, deu-lhe uma forte bofetada. Aqui exclama S. Jerônimo: Ó anjos do céu, como podeis guardar silêncio? será que tão grande paciência vos tornou mudos? Ah, meu Jesus, como é que uma resposta tão justa e tão modesta podia merecer uma afronta tão grande na presença de tanta gente? O indigno pontífice, em vez de repreender a insolência daquele atrevido, o louva ou ao menos dá-lhe sinais de aprovação. E vós, meu Senhor, sofreis tudo para pagar as afrontas que eu, miserável, tenho feito à divina Majestade com os meus pecados. Eu vos agradeço, ó meu Jesus! Eterno Padre, perdoai-me pelos merecimentos de Jesus.

Em seguida, o iníquo pontífice perguntou-lhe se ele era realmente o Filho de Deus: “Conjuro-vos pelo Deus vivo para que vos digais se sois vós o Cristo, Filho de Deus” (Mt 26,63). Jesus, por respeito ao nome de Deus, afirmou ser isso a verdade e então Caifás rasgou as vestes, dizendo que ele havia blasfemado. Todos gritaram então que ele merecia a morte. Sim, com razão, ó meu Jesus, eles vos declararam réu de morte, pois quisestes vos encarregar de satisfazer por mim, que merecia a morte eterna. Mas se com vossa morte me adquiristes a vida, é justo que eu empregue minha vida inteira e se necessário for a sacrifique por vós e vosso amor: socorrei-me coma vossa graça.

“Cuspiram-lhe então no rosto e deram-lhe bofetadas” (Mt 26,67).

Depois de o julgarem digno de morte, como um homem já condenado ao suplício e declarado infame, aquele canalha pôs-se a maltratá-Lo durante toda a noite com bofetadas, com golpes, com pontapés, arrancando-lhe a barba, cuspindo-lhe no rosto, motejando d'Ele como dum falso profeta, dizendo-he: “Adivinha, ó Cristo, quem te bateu?” Tudo já predissera nosso Redentor por Isaías: “Entreguei meu corpo aos que me feriam e minha face aos que a laceravam; não desviei o rosto dos que me injuriavam e me cobriam de escarros” (Is 50,6). Diz o devoto Tauler ser opinião de S. Jerônimo que


"só no dia do juízo final serão conhecidas todas as penas e injúrias que Jesus sofreu naquela noite".

S. Agostinho, falando das ignomínias sofridas por Jesus Cristo, diz: Se este remédio não curar a nossa soberba, não sei o que há de curá-la (Serm. 1 in dom. 2 quadr.).

Tendo amanhecido, os judeus conduziram Jesus a Pilatos, para que fosse condenado à morte. Pilatos declara-o inocente: “Não encontro nenhuma culpa neste homem” (Lc 23,4). E para ver-se livro dos insultos dos judeus, que continuavam a exigir a morte do Salvador, o envia a Herodes. Muito se alegrou Herodes por ter Jesus em sua presença, esperando que, para livrar-se da morte, haveria de fazer diante dele algum dos muitos prodígios de que ouvira falar. Fez-lhe por isso muitas perguntas. Mas Jesus, porque não queria livrar-se da morte, haveria de fazer diante dele algum dos muitos prodígios de que ouvira falar. Fez-lhe por isso muitas perguntas. Mas Jesus, porque não queria livra-se porque aquele malvado não merecia resposta, cala-se e não responde. Então esse rei soberbo o desprezou com toda a sua corte e, cobrindo-o com uma veste branca, para mostrar que o considerava um ignorante e insensato, o reenviou a Pilatos (Lc 23,11). O cardeal Hugo diz: Zombando dele como de um louco, vestiu-lhe uma túnica. E S. Boaventura: Desprezou-o como inepto, porque não fez milagres; como ignorante, porque não respondeu uma única palavra; como louco, porque se não defendeu.

Flagelação de Jesus Cristo

Entremos no pretório de Pilatos, convertido em horrendo teatro de ignomínias e dores de Jesus, e consideremos quanto foi injusto, ignominioso e cruel o suplício que aí sofreu o Salvador do mundo. Vendo Pilatos que os judeus continuavam a bradar contra Jesus, injustissimamente o condenou a ser flagelado: “Então Pilatos tomou a Jesus e mandou açoitá-lo” (Jo 19,1).

Chegado que foi ao pretório nosso amável Salvador, segundo a revelação de S. Brígida (1. c., c. 70) ele mesmo se despojou de suas vestes ao mando dos algozes, abraçou a coluna e entregou as mãos para serem ligadas.

Ó meu adorável Salvador, vós, para pagar os nossos delitos e em especial os pecados de impureza (que é o pecado mais comum entre os homens), quisestes que fosse dilacerada vossa carne puríssima. Quem não exclamará com S. Bernardo: “Ó caridade incompreensível do Filho de Deus para com os homens!”

Gemendo, exclama S. Boaventura: “Corre o sangue divino e as chagas sucedem-se às chagas e as fraturas às fraturas” (Med. vit. Chr. c. 76). Por toda parte escorria o sangue divino e seu corpo sagrado tornara-se uma única chaga, mas aqueles cães furiosos não cessavam de ajuntar feridas sobre feridas, como predissera o Profeta: “E sobre a dor de minhas chagas acrescentaram novas chagas” (Sl 68,27).


Os azorragues não só cobriam de feridas seu corpo inteiro, como também arrancavam pedaços de carne, ficando essas carnes sagradas totalmente rasgadas, podendo-se contar todos os ossos (Contens. 1.10, d.4, c.1).

Diz Cornélio a Lápide que nesse tormento Jesus Cristo deveria naturalmente morrer: quis, porém, com sua virtude divina conservar a vida, a fim de sofrer penas ainda maiores por nosso amor. Já S. Lourenço Justiniano havia afirmado a mesma coisa.

Este tormento da flagelação foi um dos mais cruéis para o nosso Redentor, porque


foram muitos os algozes que o flagelaram, pois, segundo a revelação feita a S. Maria Madalena de Pazzi, foram uns sessenta (Vita c. 6).

Ora, estes, instigados pelo demônio e ainda mais pelos sacerdotes, que temiam que Pilatos depois desse castigo pusesse o Senhor em liberdade, como já afirmara dizendo: “Castigá-loei e pô-lo-ei em liberdade”, assentaram tirar-lhe a vida com os açoites. Acordam todos os doutores com S. Boaventura que escolheram para esse serviço os instrumentos mais bárbaros, de maneira que cada golpe abria uma chaga, como diz S. Anselmo, chegando os golpes a milhares, porque, segundo o Padre Crasset, a flagelação foi feita conforme o uso dos romanos e não dos judeus, aos quais era proibido ultrapassar o número de quarenta vergastadas (Dt 25,3). O historiador Flávio José, que viveu pouco depois de Nosso Senhor, diz que Jesus foi de tal maneira dilacerado na flagelação, que foram postas a descoberto as suas costelas. O mesmo foi revelado à S. Brígida pela Santíssima Virgem:

Eu, que estava presente, vi seu corpo flagelado até às costas, de modo que eram visíveis suas costelas. E o mais doloroso era que, ao retraírem-se, os azorragues vinham com pedaços de carne”. (Lib. I revel., c. 10).

O profeta Isaías afirmou inspirado pelo Espírito Santo que a santíssima carne na paixão não só seria toda dilacerada, mas também toda triturada e despedaçada (Is 53,5). Apareceu uma vez Jesus flagelado a Sóror Vitória Angelini, e mostrando-lhe seu corpo todo ferido, disse-lhe: Estas chagas todas, Vitória, te pedem amor.

Oração: Ah, meu Senhor flagelado, agradeço-vos tão grande amor e arrependo-me de ter-me unido eu também, com os meus pecados, aos vossos algozes. Eu detesto, ó meu Jesus, a todos esses prazeres depravados que vos ocasionaram tantas dores. Oh! há quantos anos deveria estar queimando no inferno. Por que me esperaste até agora com tanta paciência? Vós me suportastes para que afinal, vencido por tantas finezas de amor, me rendesse ao vosso amor e deixasse o pecado. Meu amado Redentor, não quero resistir por mais tempo ao vosso afeto: quero amar-vos para o futuro quanto em mim estiver. Vós, porém, já conheceis a minha fraqueza, e as traições com que vos tratei: desprendei-me de todas as afeições terrenas que me impedem ser todo vosso; trazei-me continuamente à memória o amor que me consagrastes e a obrigação que tenho de amar-vos. Em vós ponho todas as minhas esperanças, meu Deus, meu amor, meu tudo.

A coroação de espinhos

Continuando os soldados a flagelar cruelmente o inocente Cordeiro, conta-se que se adiantou um dos presentes e corajosamente disse-lhes: vós não tendes ordem de matar este homem, como o pretendeis. E assim dizendo cortou as cordas com que estava ligado o Senhor. Isto foi revelado a S. Brígida (Lib. 1 Rev., c. 10). Mas, apenas terminada a flagelação, aqueles bárbaros, instigados e corrompidos com o dinheiro dos judeus, como assegura S. João Crisóstomo, fazem o Redentor sofrer um novo gênero de tormentos:


“Então os soldados do governador conduziram Jesus ao pretório e reuniram ao redor dele toda a corte; despiram-no e revestiram com uma clâmide vermelha e, tecendo uma coroa de espinhos, a puseram sobre sua cabeça e na sua mão direita uma cana (Mt 27,27-29).

“E, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lhe sobre a cabeça”. Bem reflete o devoto Landspérgio que este tomento de espinhos foi excessivamente doloroso, porque traspassaram toda a sagrada cabeça do Senhor, parte sensibilíssima, já que da cabeça partem todos os nervos e sensações do corpo. Além disso, foi o tormento mais prolongado da paixão, pois Jesus suportou até à morte esses espinhos, tendo-os enterrados em sua cabeça. Todas as vezes que lhe tocavam nos espinhos ou na cabeça, se renovavam todas as dores. Segundo o sentir comum dos escritos, como S. Vicente Ferrer, a coroa foi entrelaçada de vários ramos de espinhos em forma de capacete ou chapéu, de modo que envolvia toda a cabeça e descia até ao meio da testa conforme foi revelado a S. Brígida (Lib. 4 Rev. c. 70).


E, como afirma S. Lourenço Justiniano com S. Pedro Damião, os espinhos eram tão longos que chegaram até a penetrar no cérebro (De triumph. Cti. Ag. c. 14).

E o manso Cordeiro deixava atormentar-se ao gosto deles, sem dizer palavras, sem se lamentar, mas, fechando os olhos pelo excesso de dor, exalava continuamente amargos suspiros, como um supliciado que está próximo da morte, conforme foi revelado à beata Ágata da Cruz. Tão grande era a abundância de sangue que corria nas feridas da sagrada cabeça que não se via em seu rosto senão sangue, segundo a revelação de S. Brígida: Várias torrentes de sangue corriam por sua face, enchendo seus cabelos, seus olhos, e sua barba, não se vendo outra coisa senão sangue (Lib. 4 Rev. c. 70). E S. Boaventura ajunta que não parecia ser mais a bela face do Senhor, mas a face de um homem esfolado.

Quisestes ser coroado de espinhos, para obter-nos uma coroa de glória no céu (Dion. Cart. In Jo 17). Ah, espinhos cruéis, ingratas criaturas, por que atormentais de tal maneira o vosso Criador? Mas que adiante acusar os espinhos? diz S. Agostinho. Eles foram instrumentos inocentes: nossos pecados, nossos maus pensamentos foram os espinhos cruéis que atravessaram a cabeça de Jesus Cristo. Aparecendo um dia Jesus a S. Teresa, coroado de espinhos, a santa pôs-se a pranteá-lo. Disse-lhe, porém, o Senhor: Teresa, não te deves compadecer das feridas que me fizeram os espinhos dos judeus, apiada-te antes das chagas que me fazem os pecados dos cristãos.

“E dobrando o joelho diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, rei dos judeus. Cuspindo-lhe no rosto tomavam-lhe a cana e batiam-lhe com ela na cabeça” (Mt 27,29). E S. João acrescenta: “E davam-lhe bofetadas” (Jo 19,3). Depois de aqueles bárbaros haverem colocado na cabeça de Jesus aquela crudelíssima coroa, não se contentaram com enterrá-la com toda a força com as mãos, mas se utilizaram da cana como de um martelo para fazer entrar mais profundamente os espinhos.

Ecce Homo - Eis o Homem

Pilatos, vendo o Redentor reduzido a um estado tão digno de toda a compaixão, pensou que a sua só vista comoveria os judeus e por isso, conduziu-o a uma varanda, levantou o farrapo de púrpura e, mostrando ao povo o corpo de Jesus coberto de chagas e dilacerado, disse-lhe: “Eis aqui o homem” (Jo 19,4). Ecce homo, como se quisesse dizer: Eis o homem que acusastes perante mim como se pretendesse fazer-se rei; eu, para vos agradar, condenei-o aos flagelos, ainda que inocente. “Eis o homem, não ilustre pelo império, mas repleto de opróbrio” (St. Ag. Trac. 11 in Jo 6).

“Saí e vede, filhas de Sião, o rei Salomão com o diadema com que o coroou sua mãe no dia de suas bodas e no dia da alegria de seu coração” (Ct 3,11).


Saí e vede o vosso rei com a coroa da pobreza, com a coroa da miséria”, diz S. Bernardo (Serm. 2 de Epip.).

Continuando os judeus a insultar o governador, gritando: “Tirai-o, tirai-o, crucificai-o”, disse-lhes Pilatos: “Então hei de crucificar o vosso rei?” E eles responderam: “Nos não temos outro rei senão César” (Jo 19,15). Os mundanos, que amam as riquezas, as honras e os prazeres da terra, renegam a Jesus Cristo por seu rei porque Jesus neste terra não foi rei senão de pobreza, de ignomínia e de dores. Se eles vos rejeitam, ó meu Jesus, nós vos elegemos por nosso único rei e vos protestamos: Não temos outro rei senão Jesus. Sim, amável Salvador, “vós sois meu rei”, sois e sereis sempre o meu único Senhor. De fato sois vós o verdadeiro rei de nossas almas, pois as criastes e as remistes da escravidão de Lúcifer

Oração: Ó meu amado Salvador, vós sois o maior de todos os reis, mas agora eu vos vejo como o homem mais desprezado, dentre todos: se esse povo ingrato não vos conhece, eu vos conheço e vos adoro por meu verdadeiro rei e Senhor. Agradeço-vos, ó meu Redentor, por tantos ultrajes por mim recebidos e suplico-vos me deis amor aos desprezos e aos sofrimentos, já que vós os abraçastes com tanto afeto. Envergonho-me de haver no passado amado tanto as honras e os prazeres, chegando por sua causa a renunciar tantas vezes à vossa graça e ao vosso amor; arrependo-me disso mais que de todas as coisas. Abraço, Senhor, todas as dores e ignomínias que vossas mãos me enviarem; dai-me aquela resignação de que necessito. Amo-vos, meu Jesus, meu amor, meu tudo.

Condenação de Jesus Cristo e sua ida ao Calvário

Continuava Pilatos a escusar-se perante os judeus que não podia condenar à morte aquele inocente. Estes, porém, o atemorizaram, dizendo: “Se soltares a este, não és amigo de César” (Jo 19,12). Cego pelo temor de perder as graças de César, esse juiz desgraçado, depois de ter reconhecido e declarado Jesus Cristo tantas vezes inocente, o condenou finalmente à morte da cruz: “Então ele lhes entregou Jesus para que fosse crucificado”

Pilatos entrega o inocente cordeiro às mãos daqueles lobos para que com ele façam o que quiserem: “Entregou Jesus à sua vontade” (Lc 23,25).Os algozes agarraram-no com fúria, arrancam-lhe dos ombros o farrapo de púrpura, como lhes insinuaram os judeus, e restituem-lhe suas vestes (Mt 27,31). Isso fizeram, diz S. Ambrósio, para que Jesus fosse reconhecido ao menos pelas vestes, visto estar seu belo rosto tão deformado pelo sangue e pelas feridas, que sem as suas vestes dificilmente poderia ser reconhecido. Tomam, entretanto, dois toscos pedaços de madeira, formam com eles às pressas uma cruz de quinze pés (como afirmam S. Boaventura e S. Anselmo) e colocam-na sobre os ombros do Redentor.


Mas, segundo S. Tomás de Vilanova, Jesus não esperou que a cruz lhe fosse imposta pelos algozes: "Ele mesmo a tomou avidamente com suas mãos e a pôs sobre os ombros chagados" (Conc. 3 de uno M.).

Imagina, minha alma, que vês passar Jesus nesse doloroso caminho. Assim como um cordeiro é levado ao matadouro, o amantíssimo Redentor é conduzido à morte (Is 53,7). Ele está tão esgotado e enfraquecido pelos tormentos, que apenas pode ter-se em pé. Ei-lo todo dilacerado pelas feridas, com a coroa de espinhos sobre a cabeça, com o pesado madeiro sobre os ombros e com um algoz que o puxa por uma corda. Caminha com o corpo curvado, com os joelhos trêmulos, gotejando sangue; anda com tanta dificuldade, que parece que a cada passo vai exalar a vida.

“Se alguém quiser vir após mim, abnegue-se a si mesmo e tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). Visto que vós, inocente, meu amado Redentor, me precedeis com a vossa cruz e me convidais a seguir-vos com a minha, ide adiante que eu não quero deixar-vos só. Se no passado vos abandonei, confesso que procedi mal. Dai-me agora a cruz que vos aprouver, que eu a abraço, seja qual for, e com ela quero acompanhar-vos até à morte: “Saiamos fora dos arraiais, levando o seu impropério” (Hb 13,13). E como é possível, Senhor, que não amemos por vosso amor as dores e os opróbrios, se vós tanto os amastes por nossa salvação? Já que nos convidais a seguir-vos, queremos, sim, seguir-vos e morrer convosco, mas dai-nos, força para executá-lo: essa força vos pedimos por vossos merecimentos e a esperamos. Amo-vos, meu Jesus amabilíssimo, amo-vos com toda a minha alma e não quero mais deixar-vos. Basta-me o tempo em que andei longe de vós; ligai-me agora à vossa cruz. Se eu desprezei o vosso amor, disso me arrependo de todo o coração e agora vos estimo mais que todos os bens.

Amo-vos, ó amabilidade infinita, como todo o meu coração, e estou resolvido a não amar a ninguém mais fora de vós. Senhor, perdoai-me e dai-me o vosso amor e nada mais vos peço.


Digo-vos com S. Inácio: “Dai-me unicamente o vosso amor com a vossa graça e estou bastante rico”.

A Crucificação de Jesus

Eis-nos chegados à crucificação, ao último tormento que deu a morte a Jesus Cristo, eis-nos no Calvário, feito teatro do amor divino, onde um Deus deixa a vida num mar de dores. “E depois de chegados ao lugar chamado Calvário, aí o crucificaram” (Lc 23,33). O Cordeiro divino deita-se sobre esse leito de tormentos, apresenta aos carnífices suas mãos e seus pés para serem pregados e, levantando os olhos ao céu, oferece ao seu eterno Pai o grande sacrifício de sua vida pela salvação dos homens. Cravada uma mão, contraem-se os nervos, sendo por isso necessário que à força e com cordas se puxassem a outra mão e os pés ao lugar dos cravos, como foi revelado a S. Brígida, o que ocasionou a contorção e rompimento com dores horríveis dos nervos e das veias (Liv. 1, c. 10), de tal maneira que se podiam contar todos os ossos, como já predissera Davi: Atravessaram minhas mãos e meus pés e contaram todos os meus ossos (Sl21,17).

Diz S. Agostinho não haver morte mais acerba que a morte da cruz (Tract. 36 in Jo), pois, como nota S. Tomás (P. III q. 46, a. 6), os crucificados têm os pés e as mãos transpassados, partes essas que sendo compostas de nervos, músculos e veias, são extremamente sensíveis à dor: e o só peso do corpo pendido faz que a dor seja contínua e se aumente sempre mais até à morte. Mas as dores de Jesus ultrapassavam todas as outras dores, pois, como diz o Angélico, o Corpo de Jesus Cristo, sendo de delicadíssima compleição, era mais sensível e sujeito às dores: corpo que foi expressamente preparado pelo Espírito Santo para sofrer como Ele predissera e conforme o atesta o Apóstolo: “Vós me preparastes um corpo” (Hb 10,5). Além disso, S. Tomás diz que Jesus Cristo suportou uma dor tamanha que só ela seria suficiente para satisfazer a pena que mereciam temporalmente os pecados de todos os homens.


Afirma Tiepoli que, na crucifixão, deram vinte e oito marteladas sobre suas mãos e trinta e seis sobre seus pés.

“Pai, perdoai-lhes; não sabem o que fazem” (Lc 23,32). Para demonstrar seu imenso amor pelos homens, diz S. Tomás (p. III q. 47, a. 4), o Redentor pediu a Deus perdão para seus perseguidores. Pediu-o, pois eles depois de o verem morto se arrependeram de seus pecados: “Voltavam batendo no peito”. Ah, meu Jesus, por quem foram cravados vossas mãos e vossos pés sobre esse madeiro senão pelo amor que tínheis aos homens? Vós quisestes com a dor de vossas mãos traspassadas pagar todos os pecados que os homens cometeram pelo tato e com a dor dos pés quisestes pagar todos os passos que demos para vos ofender.

 

REFERÊNCIAS:

Retirado do livro "A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo" de Santo Afonso Maria de Ligório.

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