
O caminho de toda vida boa e feliz encontra-se na verdadeira religião. A religião é a que nos leva a prestar culto devido ao Deus único, fundada numa só noção e com piedade muito pura. E é Ele reconhecido como o princípio de todos os seres, origem, aperfeiçoamento e coesão de todo o universo. É a Religião Cristã a que devemos abraçar, e manter a comunhão com a Igreja, a denominada católica, por ser universal. Assim é ela denominada, não somente por seus fiéis, mas também por seus adversários. Queiram ou não, os próprios hereges e cismáticos quando falam dela, não com os seus adeptos, mas com os próprios estranhos, não denominam católica “universal”, senão a Igreja católica. Não se poderiam fazer entender se não a distinguissem pelo nome que o mundo todo lhe dá. Desse modo, a verdadeira Religião não há de ser buscada na confusão do paganismo, nem nas impurezas do cisma, nem na cegueira do judaísmo, mas somente entre os denominados cristãos católicos ou ortodoxos, isto é, entre os guardiões da integridade e seguidores do que é reto.
VERDADEIRO DEUS

Deus Trindade: O Pai, o Filho e o Espírito Santo, isto é, a própria Trindade, una e suprema realidade, é a única Coisa a ser fruída, bem comum de todos. Se é que pode ser chamada Coisa e não, de preferência, a causa de todas as coisas — se também puder ser chamada causa. Não é fácil encontrar um nome que possa convir a tanta grandeza e servir para denominar de maneira adequada a Trindade. A não ser que se diga que é um só Deus, de quem, por quem e para quem existem todas as coisas (Rm 11,36). Assim, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são, cada um deles, Deus; são os três um só Deus. Para si próprio, cada um deles é substância completa e, os três juntos, uma só substância. O Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo. O Filho não é o Pai, nem o Espírito Santo. E o Espírito Santo não é o Pai nem o Filho. O Pai é só Pai, o Filho unicamente Filho, e o Espírito Santo unicamente Espírito Santo. Os três possuem a mesma eternidade, a mesma imutabilidade, a mesma majestade, o mesmo poder. No Pai está a unidade, no Filho a igualdade e no Espírito Santo a harmonia entre a unidade e a igualdade. Esses três atributos todos são um só, por causa do Pai, todos iguais por causa do Filho e todos conexos por causa do Espírito Santo.
VOCAÇÃO DOS APÓSTOLOS
Na idade de trinta anos começou o Salvador a pregar sua doutrina. Seus estupendos milagres assombravam as turbas que pasmadas o seguiam por toda parte. Para o êxito de seus fins sacrossantos escolheu Jesus, de entre seus adidos, doze homens aos quais chamou Apóstolos. Eis aqui seus nomes: Pedro e seu irmão André, Tiago - o maior, João - Evangelista, Filipe, Bartolomeu, Matheus, Thomé, Tiago - o menor, Simão - o zeloso, Judas Tadeu e Judas Iscariotes. Este último foi quem mais tarde traiu o seu divino Mestre. Estes Apóstolos eram uns pobres e simples pescadores, e Jesus Cristo lhes confiou o depósito da fé e os enviou a pregar o Evangelho por todo o mundo, afim de que, como observa Santo Ambrósio, a conversão do mundo não fosse atribuída à sabedoria ou ao poder ao poder dos homens, senão unicamente à divina virtude (Santo Ambrósio in C. VI, Lucas).
IGREJA DE JESUS
Por Igreja de Jesus Cristo se entende a congregação dos fiéis cristãos espalhados por toda a terra, que vivem debaixo da obediência do Papa, isto é, do Sumo Pontífice de Roma. Chama-se Igreja de Jesus Cristo, porque Ele mesmo a fundou durante sua peregrinação sobre a terra, e porque saiu de seu abrasado Coração e foi consagrada e santificada com seu Sangue; chama-se também assim porque todos os filhos da Igreja constituem uma só pessoa com Jesus Cristo por meio da fé, da esperança e da caridade.
Jesus Cristo a encheu de seu Espírito Santo a quem enviou para que permanecesse com ela e lhe ensinasse toda a verdade até a consumação dos séculos. Os Apóstolos foram os primeiros mestres e propagadores da Igreja; e a todos eles, em diversas ocasiões, dirigiu Jesus estas palavras:
“Não fostes vós quem me escolhestes; mas eu vos escolhi e vos coloquei para que vades e produzais frutos; e que vosso fruto permaneça. Foi-me dado todo o poder no Céu e na terra: assim como meu Pai celeste me enviou, assim também eu vos envio. O que desligares na terra, será também desligado no Céu. Aos que perdoardes os pecados serão perdoados; e aos que os retiverdes, serão retidos... Quem vos ouve, a mim ouve, quem vos despreza, despreza a mim e a quem me enviou. Quando comparecerdes em presença dos reis e governadores, não vos preocupeis com o que deveis responder. O Consolador, o Espírito Santo que meu Pai enviará em meu nome, Ele vos ensinará todas as coisas. Ele vos dará ciência e saber a que não poderão resistir nem contradizer todos os vossos adversários. Ide pois, eu sou o que vos envia: pregai o Evangelho a toda criatura ensinando e batizando em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo. O que crer e for batizado será salvo, porém o que não crer será condenado... Eu subo a meu Pai celeste, mas não vos deixo sós e permanecerei convosco todos os dias até a consumação dos séculos”.
Com estas palavras instituiu Jesus Cristo a grande Sociedade religiosa, ou a Igreja cuja administração, como se tem visto, confiou aos Apóstolos aos quais prometeu sua assistência contínua até o fim dos séculos.
SÃO PEDRO CEHFE DA IGREJA
O Salvador para demonstrar a necessidade de uma autoridade suprema na Igreja, a comparou sucessivamente a um reino e a uma república bem administrados, à fazenda de um grande Senhor, e a uma numerosa família, coisas todas que não podem subsistir sem uma autoridade que governe e dite leis, vele sobre sua observância, reprima aos rebeldes e recompense aos que as observam. O mesmo se dá com a Igreja Católica: chefe absoluto, supremo e invisível da Igreja é Jesus Cristo, seu fundador: e chefe visível instituído pelo próprio Jesus Cristo é São Pedro. De entre os Apóstolos, disse São Jerônimo, escolheu Jesus a São Pedro para dar-lhe a preeminência sobre todos os outros, afim de que a autoridade divinamente instituída, desvanecesse de antemão todo pretexto de discórdia e de cisma.
Eis aqui como São Pedro foi instituído Chefe Supremo da Igreja:
Estando Jesus Cristo certo dia nos confins de Cesárea de Felipe, depois de ter orado, por algum tempo, perguntou a seus Apóstolos: “Que dizem de mim os homens? Um Apóstolo respondeu dizendo: Alguns dizem que sois o Profeta Elias”. Outro replicou: “Disseram-me muito que éreis Jeremias ou João Batista ou algum dos profetas que tinha ressuscitado”. O Salvador torna a perguntar: “Porém vós, quem dizeis que eu sou?” E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. E Jesus, respondendo Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus” (Mt. 16).
EXPLICAÇÕES:
Estes fatos e estas palavras merecem alguma explicação. Pedro permaneceu silencioso enquanto Jesus não deu a conhecer senão o desejo de saber o que diziam os homens acerca de sua pessoa; mas quando convidou os Apóstolos para exporem seu modo de pensar, Pedro, no mesmo instante falou, como se falasse em nome de todos, porque ele já gozava de certa primazia ou superioridade sobre os demais companheiros. Pedro, pois, divinamente inspirado, disse: Tu és o Cristo: que era o mesmo de dizer: Vós sois o Messias prometido por Deus, que veio para salvar os homens.
Filho de Deus vivo: ele aplica a Deus o epíteto de vivo, para diferenciá-lo das falsas divindades dos idólatras, que sendo fabricadas pelas mãos dos homens, não tem vida. Isto também equivalia a dizer: Vós sois o verdadeiro Filho de Deus, o Filho do Pai Eterno, e por isso sois com Ele Criador e Senhor absoluto de todas as coisas.
Em seguida Jesus Cristo, com o fim de premiá-lo por sua fé, chamou-o de bem-aventurado, dando-lhe depois os motivos porque desde o dia que o havia seguido, lhe tinha mudado o nome de Simão pelo de Pedro, assim falando: “Tu és Pedro e sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja”. Do mesmo modo Deus mudou o nome de Abrão para Abraão quando estabeleceu que ele seria o pai de todos os crentes; o de Sarai em Sara quando lhe prometeu o nascimento prodigioso de um filho; e o de Jacó em Israel quando lhe garantiu que de sua estirpe nasceria o Salvador.
Jesus outrossim chamava bem-aventurado a São Pedro, porque tudo o que este tinha dito não lhe tinha sido revelado pelos homens, senão por seu Pai celeste. Aqui transluz a divina assistência à pessoa de São Pedro desde o mesmo instante em acabava de ser eleito o chefe da Igreja; assistência que continuou por toda a sua vida e que continuará nos romanos Pontífices até a consumação dos séculos.
Jesus disse em seguida: “Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Com estas palavras quis dizer: Tu, ó Pedro serás na Igreja o que nos edifícios são os alicerces; os alicerces constituem a parte principal, a mais indispensável de uma casa, visto sobre eles descansar todo o edifício; assim também tu, ó Pedro serás o fundamento da minha Igreja, isto é, exercerás nela a autoridade suprema que te outorgo, a Igreja se conserve, e permaneça firme e inabalável. Sobre ti, a quem eu chamei Pedro, como sobre uma rocha e uma pedra firmíssima, por minha virtude eterna, eu levanto o edifício eterno da minha Igreja, que descansando sobre ti, será forte e invencível contra todos os ataques de seus inimigos.
“Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. A palavra grega para “esta” — como em esta pedra — é o pronome demonstrativo taute. Significa “esta própria” pedra, ou “esta mesma” pedra. Taute é utilizada quando “se deseja chamar à atenção com ênfase especial a um objecto específico, quer seja nas proximidades físicas do interlocutor ou do contexto literário” [1]. Na versão King James, taute é traduzida como “a mesma” em 1 Coríntios 7:20 e “esta mesma” em 2 Coríntios 9:4.
Portanto, a afirmação de Jesus a Pedro tem este significado: tu és Pedro, e sobre ESTA MESMA PEDRA edificarei a minha Igreja. Infere-se do contexto que “esta pedra” refere-se naturalmente a Pedro. Acontece que Jesus, para além disso, muda o seu nome de Simão para um que significa pedra (Cf. João 1,42).
PORTAS DO INFERNO
As portas do Inferno são constituídas pelo poder de Satanás e representam as perseguições, os hereges, as heresias, os erros, os esforços e as artimanhas que emprega o demônio para deitar por terra a Igreja. Todas estas potências infernais, juntas ou separadas poderão, sim, declarar guerra aberta à Igreja, obrigá-la a estar sempre sob as armas, e por no caminho da perdição os que não forem suficientemente humildes, mortificados e vigilantes na oração; mas nunca poderão vencê-la, antes com todos os seus esforços não conseguirão mais do que aumentar a glória da Esposa do Redentor.
Papa São Leão IX, 2 de Setembro de 1053: “A Santa Igreja edificada sobre uma pedra, isto é, sobre Cristo, e sobre Pedro… porque de modo algum será vencida pelas portas do inferno, ou seja, pelas disputas dos hereges, que seduzem os vãos para as suas ruínas” [2].
São Tomás de Aquino, Introdução à Catena Aurea (†1262): “A sabedoria pode preencher os corações dos fiéis, e silenciar a terrível insensatez dos hereges, adequadamente representados como as portas do Inferno” [3].
Papa Vigílio, Segundo Concílio de Constantinopla, 553: “… nós temos em mente o que foi prometido acerca da Santa Igreja e d'Aquele que disse 'as portas do Inferno não prevalecerão contra ela' (entendemos isto como sendo as línguas mortíferas dos hereges)… [4].
AS CHAVES DO PARAISO

Jesus Cristo disse finalmente: “Eu te darei as chaves do reino dos céus”. As chaves são o símbolo do poder. Quando o vendedor de uma casa entrega as chaves ao comprador dá-lhe com elas a posse plena e absoluta da mesma casa; assim também quando se apresentam a um Rei as chaves de uma cidade simboliza-se com isto que a cidade o reconhece como Soberano; assim pois o haver entregue Nosso Senhor a Pedro as chaves do Reino dos Céus significa que ele foi feito dono, príncipe e governador supremo da Igreja. Por isso Nosso Senhor Jesus Cristo continuou dizendo a Pedro: “Tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus”.
Estas palavras põem em manifesto a suprema autoridade que foi dada a São Pedro; autoridade que obriga a consciência dos homens com decretos e leis em ordem a seu bem espiritual e eterno; e por meio da qual se absolvem os pecados e as penas que impedem conseguir esse mesmo bem espiritual e eterno. É bom notar aqui que também os outros Apóstolos receberam de Jesus Cristo a faculdade de ligar e desligar (Mt. 18:18). Mas esta faculdade não lhes foi conferida senão depois de terem sido ditas a São Pedro as palavras magníficas que precedem, para que compreendessem que sua autoridade devia permanecer subordinada à de São Pedro, que foi feito seu príncipe e seu chefe, o qual também fora encarregado de conservar a unidade da fé e da moral.
Por isto os demais apóstolos e todos os bispos que lhes sucedem devem depender de Pedro e dos Papas que também lhe sucedem para assim permanecerem perpetuamente unidos a Jesus Cristo, que do Céu assistirá seu Vigário e toda a Igreja até o fim dos séculos. A nenhum outro Apóstolo foram dadas as chaves do Reino dos Céus. Em Mateus 18:18, lemos que a todos os Apóstolos é dado o poder de ligar e desligar; mas somente a Pedro são prometidas as chaves do Reino dos Céus, em Mateus 16:19. Isto demonstra-nos que o poder que é dado a todos os Apóstolos de ligar e desligar em Mateus 18:18, tem de ser exercido em sujeição às chaves que são dadas exclusivamente a Pedro. Pedro ocupa uma posição singular de autoridade na Igreja.
As chaves do Reino dos Céus é uma referência a Isaías 22 e a posição do primeiro ministro. As palavras de Jesus a São Pedro em Mateus 16 são uma referência à função do primeiro ministro do Reino no Antigo Testamento.
Isaías 22:22: “E porei a chave da casa de Davi sobre o seu ombro, e abrirá, e ninguém fechará; e fechará, e ninguém abrirá.”
Note que a linguagem é claramente semelhante à de Mateus 16:19. No Antigo Testamento, Deus firmou uma aliança com Davi de modo a estabelecer um reino. A Monarquia Davídica, o Reino de Deus na terra, teve o intuito de ser um protótipo do Reino de Deus que Jesus estabeleceria. É por isso que Jesus é chamado de filho de Davi nos Evangelhos. É também o porquê de reino ser um dos temas principais do Evangelho de Mateus. É também a razão pela qual o próprio Pedro disse em Atos 2:30 que Jesus assenta-se no trono de Davi. Lucas 1:32 diz o seguinte acerca de Jesus: “Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo; e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai…”
Jesus assenta-se no trono de Davi. Mas o Reino de Jesus é um reino espiritual; o Seu Reino é a Sua Igreja. O Reino de Jesus não somente cumpre, mas também supera o seu protótipo, o Reino de David. O ponto aqui é que o Reino de Jesus é estabelecido de modo semelhante.
PRIMADO DE SÃO PEDRO E DE SEUS SUCESSORES
Tendo ressuscitado o Salvador, antes de subir ao Céu, entregou de fato a São Pedro a faculdade que lhe havia prometido. Aparecendo a seus discípulos no lago de Genesaré, depois de ter tomado com eles algum alimento para que melhor se assegurassem de sua ressurreição, dirigiu-se a Pedro e disse:
João 21:15-17: “E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros. Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Disse-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas. Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.”
Com estas palavras Jesus Cristo constitui São Pedro príncipe dos Apóstolos, pastor universal da Igreja e de todos os cristãos; porque todos os fiéis cristãos, espalhados por todas as partes do mundo e simbolizados pelos cordeiros, devem estar sujeitos ao chefe da Igreja, como os cordeiros estão a seus pastores; e as ovelhas simbolizadas pelos bispos e demais ministros sagrados, posto que dão alimento da doutrina celestial aos fiéis cristãos, devem fazê-lo estando sempre em boa harmonia, unidos e submissos ao Supremo Pontífice, Vigário de Jesus Cristo na terra. Apoiados nestas palavras de Jesus Cristo, os católicos têm acreditado como verdade de fé que São Pedro foi constituído por Jesus Cristo, seu Vigário na terra, e chefe supremo e visível da Igreja, e que recebeu d’Ele a plenitude da autoridade sobre os demais Apóstolos e sobre todos os fiéis.
Em João 21:15-17, Jesus diz a Pedro que apascenta as minhas ovelhas, pastoreie as minhas ovelhas, apascenta as minhas ovelhas. Jesus confere claramente autoridade a São Pedro sobre o seu rebanho, os membros da Igreja. Alguns podem indagar-se sobre o porquê de Jesus dizer da primeira vez, cuide dos meus cordeiros, e na segunda e terceira vez minhas ovelhas. Os Padres da Igreja primitiva compreenderam esta referência aos cordeiros e as ovelhas como uma diferenciação entre os membros mais novos e mais velhos da Igreja, ou como uma distinção entre os fiéis e o clero. Todos são confiados a São Pedro.
Agora, o que é particularmente importante é que quando Jesus diz apascenta as minhas ovelhas cordeiros, a segunda das três ordens é a palavra poimaine em grego. Em muitas Bíblias, a tradução das três ordens aparecem da mesma forma, como “apascenta”; mas a segunda ordem é na realidade diferente da primeira e da terceira.
João 21:15-17: «Disse Jesus: “Apascenta [Boske] as minhas ovelhas”… Disse Jesus: “Pastoreie [Poimaine] as minhas ovelhas”… Disse-lhe Jesus: “Apascenta [Boske] as minhas ovelhas.”»
Na primeira e na terceira ordem que Jesus dá a Pedro sobre o seu rebanho, a palavra em grego é boske. Boske na realidade significa alimentar. Mas a palavra poimaine, a segunda ordem de Jesus a Pedro sobre o rebanho, significa reger. Também pode ser traduzida por “pastorear.” Logo, Jesus não encarregou Pedro somente de alimentar a sua Igreja, mas também de regê-la. É fascinante que uma forma da mesma palavra poimaine, a qual Jesus utilizou falando acerca da autoridade de Pedro sobre o rebanho em João 21:16, também é empregue em Apocalipse 2:27.
Apocalipse 2:27: “E com vara de ferro as regerá [poimainei]…”
Isto significa que Pedro não tem somente uma primazia sobre o rebanho de Cristo, mas uma primazia de jurisdição para reger e governar o rebanho, o que é contrário ao que os “ortodoxos” orientais diriam. A mesma palavra poimaine é utilizada em Apocalipse 12:5 e em outras passagens para indicar o poder de governar.
Eis o que o grande Padre Oriental da Igreja, São João Crisóstomo, disse acerca desta passagem em João 21.
São João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de João, 88, 1, século IV: “Jesus lhe disse: ‘apascenta as minhas ovelhas.’ E por que Jesus Cristo, deixando os outros apóstolos, fala do seu cuidado e do seu amor a Pedro somente? De entre os apóstolos, Pedro é o maior e mais eminente; ele é a boca e o chefe do colégio… é por isso que Cristo confia-lhe o governo dos seus irmãos; e não lhe recorda, não lhe censura pela sua negação, mas diz-lhe: “Se Me amas, governa os teus irmãos”.
É claro, pois, que a autoridade de Pedro deve durar enquanto durar a Igreja, isto é, até o fim dos séculos, pois que é certo que os alicerces devem durar o mesmo tempo que dura o edifício que sobre ele descansa; e por isso, depois de Pedro, sua autoridade passará a seus sucessores, que são os Romanos Pontífices. Esta verdade se acha explicitamente exposta em centenas de documentos da antiguidade cristã, e, entre outros, encontra-se formalmente declarada no Concílio Florentino nas seguintes palavras:
“Nós definimos que a anta Sé Apostólica, e o Romano Pontífice é o sucessor do Príncipe dos Apóstolos, o verdadeiro Vigário de Cristo, o chefe supremo de toda Igreja, o mestre e o pai de todos os cristãos: e que a ele, na pessoa do bem-aventurado Pedro, foi dado, por Nosso Senhor Jesus Cristo, pleno poder de apascentar, reger e governar a Igreja universal.”
INFABILIDADE DOS SUMOS PONTÍFICES
Querendo São Pedro corresponder a tantas provas de benevolência, e demonstrar ao mesmo tempo sua gratidão ao Divino Salvador, havia declarado várias vezes que estava pronto a dar sua vida por Ele. Não obstante isto, o Divino Mestre o advertiu que não confiasse em suas próprias forças, mas sim no auxílio da divindade. Disse-lhe em seguida que cairia por fraqueza, assegurando-lhe sem embargo que depois se levantaria; encarregou-o de cuidar de seus irmãos e de conservá-los firmes na fé:
Lucas 22:31-32: “Disse também o Senhor: Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu [plural] para vos peneirar como trigo; mas eu roguei por ti [singular], para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos.”
Satanás queria peneirar todos os Apóstolos, diz Jesus; no entanto, Ele rezou por Pedro somente, para que a sua fé não desfalecesse. Pedro, aquele que recebe as chaves do Reino, possui também uma fé infalível, segundo as palavras de Jesus. Jesus diz isto somente a Pedro, isolando-o assim claramente dos outros.
A palavra “infalível” na realidade significa “não pode falhar” ou “não pode errar” ou “indefectível”. Portanto, logo em Lucas 22, vemos as raízes do ensinamento católico sobre a infalibilidade do papal. Com estas palavras o Divino Salvador prometeu uma particular assistência ao chefe da Igreja, em virtude da qual nunca faltará sua fé, antes ao contrário contribuirá para fortalecer aos demais pastores. Com elas assegurou a São Pedro o dom da infalibilidade, isto é, o preservou do perigo de errar nas coisas que concernem à fé ou moral; porque disse a São Pedro que tinha pedido para que nunca faltasse sua fé: assim sendo, quem poderá por em dúvida que a oração de Jesus Cristo tenha sido ouvida? E certamente nosso Divino Salvador, assegurou a São Pedro que sua prece tinha sido plenamente escutada: por isso como legítima consequência o encarregou de confirmar na fé os demais Apóstolos.
Não se pode, pois, por em dúvida a infalibilidade de Pedro e de seus sucessores, sem afirmar que não foi ouvida a oração do Salvador, absurdo que nunca poderá ser afirmado por um católico. Apoiados pois, os católicos de todos os tempos e de todos os lugares, nesta promessa de Jesus Cristo, sempre tem acreditado com muito poucas exceções, que o Romano Pontífice, como sucessor de São Pedro, é infalível nas sentenças que profere em matéria de fé e de moral. Esta verdade foi depois definida na sessão 4, capítulo 4, do Concílio do Vaticano (um concílio católico dogmático), como um artigo que devia (e deve) necessariamente ser crido para se obter a salvação eterna. Eis as suas palavras:
“... o Pontífice Romano, quando pronuncia-se ex cathedra [da Cátedra de Pedro], isto é, quando executa o cargo de pastor e professor de todos os cristãos de acordo com a sua suprema autoridade apostólica, explica uma doutrina de fé ou moral a ser crida pela Igreja Universal... opera com aquela infalibilidade com a qual o divino Redentor quis que a Sua Igreja fosse instruída ao definir doutrinas acerca de fé e moral; e, então, tais definições do Pontífice Romano de si próprio, e não do consenso da Igreja, são inalteráveis. Se alguém ousar contradizer esta nossa definição, do que Deus nos guarde, seja excomungado” [5].
Nós também sabemos através das palavras que o papa usa ou pela maneira como ensina. O Concílio Vaticano I definiu que devem cumprir-se dois requisitos:
1) quando o papa cumpre o seu cargo de pastor e doutor de todos os cristãos segundo a sua suprema autoridade apostólica;
2) quando ensina uma doutrina de fé ou moral que deve ser crida por toda a Igreja de Cristo.
Um papa pode cumprir estes dois requisitos numa só linha, seja anatematizando uma opinião falsa (como em muitos concílios dogmáticos), ou dizendo “Por nossa autoridade apostólica declaramos…” ou “Cremos, professamos e ensinamos” ou mediante palavras de semelhante importância e sentido, que indicam que o papa está ensinando sobre a fé de uma maneira definitiva e obrigatória a toda a Igreja.
Portanto, quando um papa ensina desde a Cátedra de Pedro da maneira estipulada acima, ele não pode errar. Se ele pudesse errar sob essas condições, então a Igreja de Cristo poderia oficialmente cair em erro, e a promessa de Cristo a São Pedro e à Sua Igreja falharia (o que é impossível). Aquilo que é ensinado desde a Cátedra de Pedro pelos papas da Igreja Católica é o ensinamento do próprio Jesus Cristo. Rejeitar o que é ensinado da Cátedra de Pedro é simplesmente desprezar o próprio Jesus Cristo.
Lucas 10:16: “O que a vós ouve, a mim ouve; e o que a vós despreza a mim despreza.”
Mateus 18:17: “E se os não ouvir, diz-lho à Igreja; e se não ouvir à Igreja, tem-no por um gentio ou um publicano.”
Papa Leão XIII, Satis Cognitum, 1896: “... Cristo instituiu um Magistério vivo, autoritário e permanente... Se isso pudesse ser falso de modo algum, uma contradição evidente seria a consequência; pois então o próprio Deus seria a causa de um erro do homem” [6].
A CÁTEDRA DE PEDRO PROFERE A VERDADE QUE CRISTO MESMO NOS DEU
As verdades de fé que foram proclamadas pelos papas falando infalivelmente desde a Cátedra de Pedro chamam-se dogmas. Os dogmas constituem o que se chama de depósito da fé. E o depósito da fé foi concluído com a morte do último dos Apóstolos.
Papa São Pio X, Lamentabile, Contra os Erros do Modernismo, #21: “A Revelação, que constitui o objeto da fé católica, não foi completada com os apóstolos” [7]. – Condenado
Isto significa que quando um papa define um dogma desde a Cátedra de Pedro, ele não faz com que o dogma seja verdadeiro, mas antes proclama o que já era verdadeiro, o que já fora revelado por Cristo e entregue aos Apóstolos. Por conseguinte, os dogmas são imutáveis, obviamente. Um destes dogmas no depositum fidei [depósito da fé] é o de que fora da Igreja Católica não há salvação. Visto que este é o ensinamento de Jesus Cristo, não é permitido disputar este dogma ou questioná-lo; devemos simplesmente aceitá-lo. Não importa se o dogma não é do nosso agrado, se não entendemos o dogma, ou se não vemos justiça no dogma. Se um indivíduo não o aceita como verdade infalível, então esse simplesmente não aceita a Jesus Cristo, porque o dogma é-nos dado por Jesus Cristo.
Papa Leão XIII, Satis cognitum, #9, 29 de Junho de 1896: “… poderá ser legítimo a alguém rejeitar uma dessas verdades sem, por esse mesmo fato, precipitar-se claramente em heresia? – sem separar-se da Igreja? – sem repudiar em conjunto toda a doutrina cristã? Pois tal é a natureza da fé, que nada É MAIS ABSURDO DO QUE CRER EM ALGUMAS COISAS E REJEITAR OUTRAS. A Igreja professa efetivamente que a fé é uma virtude sobrenatural pela qual... cremos que o que nos foi revelado por Ele é verdadeiro; e o cremos não devido à verdade intrínseca das coisas, apreendida pela luz natural de nossa razão [autor: isto é, não porque nos parece correto], mas por causa da autoridade de Deus mesmo, que nos revela essas verdades e que não pode enganar-se nem enganar-nos. (…) Pelo contrário, quem num só ponto diverge das verdades divinamente reveladas, abdica de forma absoluta de toda a fé, pois recusa submeter-se a Deus como soberana verdade e motivo formal da fé” [8].
Aqueles que se recusam a crer no dogma Fora da Igreja Não Há Salvação até que eles mesmos entendam a justiça que lhe é própria, estão simplesmente a negar a sua fé na revelação de Cristo. Os que têm a verdadeira fé em Cristo (e na Sua Igreja), primeiro aceitam o Seu ensinamento e só depois entendem a sua verdade (isto é, o porquê de ser verdadeiro). Um católico não se detém em crer na revelação de Cristo até que possa entendê-la. Essa é a mentalidade de um herege infiel que possui um orgulho insofrível. Santo Anselmo resume a verdadeira perspectiva católica sobre este ponto.
Santo Anselmo, Doutor da Igreja, Proslogion, Cap. 1: “Porque não busco entender para crer, senão que creio a fim de entender. Por isso também creio que se não cresse, não entenderia” [9].
Romanos 11:33-35: “Ó profundidade das riquezas da sabedoria e da ciência de Deus! Quão incompreensíveis são os seus juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem lhe deu alguma coisa primeiro, para esta lhe haver de ser recompensada?” Isaías 55:8-9: “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos; nem os vossos caminhos são os meus caminhos, diz o Senhor. Porque assim como os céus se levantam sobre a terra, assim se acham levantados os meus caminhos sobre os vossos caminhos, e os meus pensamentos sobre os vossos pensamentos.”
Referências: [1]. H. E. Sana e J.R. Mantey, A Manual Grammar of the New Testament, 127. [2]. The Sunday Sermons of the Great Fathers, Regnery, Co: Chicago, IL, 1963, vol. 1, pp. xxiv. [3]. Denzinger, The Sources of Catholic Dogma, B. Herder Book. Co., Thirtieth Edition, 1957, no. 351. [4]. Decrees of the Ecumenical Councils, vol. 1, p. 113. [5]. Denzinger 1839.
[6]. The Papal Encyclicals, by Claudia Carlen, Raleigh: The Pierian Press, 1990,Vol. 2 (1878‐1903), p. 394.
[7]. Denzinger 2021.
[8]. The Papal Encyclicals, Vol. 2 (1878‐1903), p. 394.
[9]. Fr. Christopher Rengers, The 33 Doctors of the Church, Rockford: IL, Tan Books, 2000, p. 273.
- Algumas informações foram retiradas dos escritos de São João Bosco, Santo Agostinho e Patrística. Conteúdo final retirado do livro "Fora da Igreja Católica Não Há Absolutamente Salvação", escrito por Ir. Pedro Dimond.