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Qual é a vontade de Deus?


Domine, quid me vis facere? - “Senhor, o que queres eu faça?” (At. 22:10).

1. Devemos unir-nos a vontade de Deus nas coisas naturais, como quando faz frio, calor, quando chove, ou em tempo de escassez ou epidemia, e em outros casos iguais. Devemos abster-nos de dizer: "que intolerável frio, que horroroso calor! que desagradável estação!" ou fazemos uso de algumas expressões que mostrem a nossa repugnância para com à vontade de Deus. Devemos querer tudo como é, porque Deus de tudo dispõe. São Francisco de Borja, indo uma noite a um 'convento da sua ordem, em quanto que nevava muito, bateu á porta muitas vezes; os padres que estavam dormindo não lhe abriram. Quando amanheceu, muitos deles lastimavam tê-lo feito esperar tanto fora de casa; mas o Santo lhes disse "que ele tirara muita consolação durante aquele tempo, pensando que era Deus quem fazia cair os flocos de neve sobre ele".

2. Devemos unir-nos á divina vontade, quando padecemos fome, sede, pobreza, desolação e desonra. Em todo o caso devemos dizer:


"Senhor, tu fazes e desfazes e eu estou contente, desejando unicamente o que tu queres".

E o mesmo devemos dizer, diz Rodrigues, naqueles casos imaginados sugeridos por Satanás, na intenção de nos fazer cair em alguma maldade, ou pelo menos para nos inquietar. Se alguém vos dissesse estas e aquelas palavras, ou vos fizesse estas ou aquelas ofensas, que diríeis? Que faríeis? Devemos responder: "Eu diria e faria o que Deus quisesse". E assim nos livraríamos de toda a falta de inquietação.

3. Se temos algum defeito natural, ou no nosso espírito ou no nosso corpo, como ter pouca memória, engenho rude, pouca habilidade, falta de algum membro, saúde fraca, não nos lastimemos. Pois que merecimento tínhamos para que Deus nos desse uma alma mais sublime, ou um corpo mais bem organizado? Não podia Ele permitir que nascêssemos na classe dos brutos? Não podia Ele deixar-nos no nosso nada? Demos graças ao Senhor por tudo que sua bondade nos tem concedido, e por tudo que faz. Quem sabe, se tendo nós tido maiores talentos, uma perfeita saúde, um corpo extremamente bem organizado, nos teríamos perdido! A quantos a sua ciência e o seu saber tem sido a origem da soberba e do desprezo com que tratam os outros, e por isso causa da sua perdição? Em tal perigo estão outros muitos, que adiantara nas ciência e nos talentos? A quantos outros a beleza e suas forças tem sido causa de muitos crimes! E ao contrário quantos por serem pobres, enfermos e disformes na sua figura, se tem salvado, e sido santos? E quantos se fossem ricos, instruídos e de boa presença, se teria perdido e condenado. Portanto, contentemo-nos com o que Deus nos tem concedido. Não é necessário a beleza, a saúde, nem um engenho agudo, só é necessário o salvar-nos, santificarmos, disse Jesus Cristo.

4. Devemos particularmente ser resignados nas enfermidades corporais, e voluntariamente abraça-las de maneira, e pelo tempo que Deus tenha determinado visitar-nos com elas. Devemos tomar remédio, para restaurarmos a saúde: porque tal é a vontade de Deus: porém, não aproveitando estes, devemos unir-nos á vontade divina, o que nos será de maior vantagem do que a mesma saúde; e devemos dizer em tais ocasiões:


"Senhor, eu não desejo a saúde nem a doença, desejo unicamente que a vossa vontade seja feita."

E sem dúvida grande virtude, não lamentar nossas aflições, durante o tempo da dor ou enfermidade; porém, quando estas pesam sobre nós, não nos é vedado descrevê-la a nossos amigos, nem mesmo rogar a Deus que nos livre delas. Falo daquelas dores ou enfermidades que atacam severamente, que muitos há tão insofridos, que pela mais leve indisposição ou fadiga, pretendem obter a com paixão de todos. O mesmo Jesus Cristo, começando a sua Paixão, deu a conhecer a seus discípulos a sua tribulação: "A minha alma está triste até a morte" (Mt 26,38). E ele rogou ao seu Eterno Pai o livrasse dela : "Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice!" (ibid. 39.) Mas o mesmo Jesus nos ensinou, que o que devemos fazer depois de tais preces, é resignar-nos imediatamente á vontade divina, dizendo: "Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres" [1].

Haec est enim voluntas Dei: sanctificatio vestra - “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Ts 4, 3)

I. Oh! Quanto merecimento tem um ato de perfeita conformidade com a vontade divina! Basta para formar um santo. Quando São Paulo perseguia a Igreja, apareceu-lhe Jesus, iluminou-o e converteu-o. Que fez, então, o Santo? Outra coisa não fez senão oferecer a sua vontade a Deus, para que dele fizesse o que fosse da sua santa vontade. Disse-lhe: Domine, quid me vis facere? (1) – “Senhor, que quereis que eu faça?” E eis que Jesus Cristo o proclama logo vaso de eleição e Apóstolo das nações. – Com razão, pois o que dá a Deus a vontade própria, lhe dá tudo quanto possui. Pelo que em verdade pode dizer: Senhor, já que Vos dei a minha vontade, nada mais tenho para dar. O que Deus pede de nós é exatamente o nosso coração, isto é, a nossa vontade: Praebe, fili mi, cor tuum mihi (2) – “Meu filho, dá-me teu coração”. Enquanto não dermos a Deus a nossa vontade, todas as nossas obras, por santas que se nos afigurem, não lhe serão agradáveis. – O povo d’Israel queixou-se ao Senhor, dizendo: Porque jejuamos nós e não fizeste caso? Humilhamos as nossas almas e fizeste como se o ignorasses? Deus, porém, ensina-nos pelo profeta Isaías, que a razão disso era que, a par das penitências exteriores, eles não sacrificavam igualmente a sua vontade: In die ieiunii vestri invenitur voluntas vestra (3).

Eis porque a conformidade à vontade de Deus foi o único fim e desejo de todos os santos. Davi protestava sempre estar pronto a executar o que Deus desejava: Paratum cor meum, Deus, paratum cor meum (4) – “Meu coração está pronto, ó Deus, meu coração está pronto”. Santa Maria Madalena de Pazzi ficou arrebatada em êxtase ao ouvir as palavras: vontade de Deus. Santa Teresa oferecia-se pelo menos cinquenta vezes por dia a Deus, para que dela dispusesse segundo a sua vontade. E o Bem-aventurado Henrique Suzo dizia:

“Por vontade de Deus, antes quisera ser o mais miserável verme da terra do que serafim por minha própria vontade.”

II. Eis qual deve ser o alvo de todos os nossos desejos, das nossas devoções, meditações e comunhões: conformarmos a nossa vontade com a divina e cumprimo-la assim como a fazem os anjos e santos no Céu. Este deve ser também o objeto de todas as nossas súplicas: obtermos a graça de executar o que Deus nos pede; e para isso devemos reclamar a intercessão dos nossos santos Padroeiros e especialmente de Maria Santíssima. Doce me facere voluntatem tuam (5) – “Ensina-me a fazer a tua vontade”.

Estejamos certos”, nos diz Santa Teresa, “que no cumprimento da vontade de Deus consiste a mais elevada perfeição: o que mais sobressair nesta prática, receberá de Deus maiores dons e fará mais progressos na vida interior. Fazendo assim, seremos nós também homens segundo o Coração de Deus, como o Senhor fez o elogio de Davi exatamente por estar este disposto a fazer todas as suas vontades: Inveni virum secundum cor meum, qui faciet omnes voluntates meas (6).

Ó meu Deus, toda a minha desgraça no passado foi de não me querer sujeitar à vossa santa vontade. Detesto e amaldiçoo mil vezes os dias e momentos em que, para seguir a minha vontade, contrariei a vossa, ó Deus de minha alma. Eu Vô-la consagro hoje sem reserva; recebei-a, ó meu Senhor, e ligai-me de tal modo ao vosso amor, que nunca mais me possa revoltar contra Vós. Amo-Vos, bondade infinita e pelo amor que Vos tenho, me ofereço todo a Vós. Disponde de mim e do que é meu, como Vos aprouver; resigno-me em tudo à vossa santa vontade. Preservai-me da desgraça de agir contra a vossa vontade e fazei de mim segundo o vosso desejo. Pai Eterno, atendei-me pelo amor de Jesus Cristo. Meu Jesus, atendei-me pelos merecimentos da vossa Paixão. – E vós, Maria Santíssima, ajudai-me; impetrai-me a graça de executar a divina vontade, na qual consiste a minha salvação e nada mais vos peço [2].

 

Referências:

[1]. Santo Afonso M. de Ligório, Trada da Conformidade com a vontade de Deus, pp. 25-28.

[2]. Santo Afonso Maria de Ligório, Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico.

(1) At 9, 6;

(2) Pv 23, 26;

(3) Is 58, 3;

(4) Sl 56, 8;

(5) Sl 142, 10;

(6) At 13, 22.

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